Novidades na intervenção do INPI em contratos: motivos para comemoração?
A alteração da IN 70/17 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, já em vigor.
Entrou em vigor no dia 1/7/17 a Instrução Normativa 70/17 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que "dispõe sobre o procedimento administrativo de averbação de licenças e cessões de direitos de propriedade industrial e de registro de contratos de transferência de tecnologia e de franquia".
A IN atenuou consideravelmente o papel da autarquia no registro de contratos de transferência de tecnologia e na averbação de contratos de licenciamento e cessão de marcas, patentes e desenhos industriais.
A principal novidade da IN foi a exclusão da análise ex ante pelo INPI de questões tributárias e cambiais previstas nos contratos. Embora comemorada, trata-se, infelizmente, de um ato isolado, uma vez que não houve coordenação prévia da questão com o Banco Central ou a Receita Federal, razão pela qual as contratações envolvendo a troca de conhecimentos tecnológicos ainda têm como base um marco legal produzido entre as décadas de 50 e 70, há muito ultrapassado.
A análise dos aspectos tributários e cambiais será realizada a posteriori pelos respectivos órgãos competentes e, por ora, o cenário é de incertezas. Até o momento, apenas o Banco Central emitiu uma breve Circular delimitando o procedimento para que os contratantes obtenham o Registro de Operações Financeiras.
A IN foi publicada em um momento de incerteza, poucas semanas após o Superior Tribunal de Justiça entender, pela primeira vez desde o advento da Lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96), que, a despeito da alteração legislativa, o INPI ainda possui poderes discricionários para a análise de contratos1.
O INPI foi criado no ano de 1970, em meio à ditadura militar no Brasil. À época, a atuação do órgão era bastante elástica, o que gerava insegurança jurídica ao setor privado que dependia do INPI para a proteção e intercâmbio de direitos de Propriedade Industrial e conhecimentos tecnológicos.
Isso porque a lei que criou o INPI lhe conferia a prerrogativa genérica de adotar "medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes". Ao mesmo tempo, o INPI sempre funcionou como agente auxiliar ex ante da Receita Federal e do Banco Central na análise dos contratos sob sua análise.
Com base nessas disposições, o INPI historicamente entendeu que estaria autorizado a imiscuir-se nas relações privadas para promover, de ofício, alterações que entendesse como necessárias, ainda que tivessem o condão de alterar a livre manifestação de vontade das partes contratantes. Assim como o cenário político-econômico da época, a postura do INPI com relação ao exame de contratos era igualmente restritiva à abertura ao capital estrangeiro e à saída de recursos como contrapartida à entrada de novas tecnologias no país.
Na década de 90, a abertura político-econômica culminou com a edição da lei 9.276/96, que alterou a antiga lei de criação do INPI para conferir à autarquia um novo papel funcional, voltado à redução do intervencionismo e do dirigismo contratual outrora praticado.
A partir de então, grande parte da doutrina especializada passou a entender, de forma acertada, que não cabia mais ao INPI intervir nos contratos celebrados por particulares, devendo limitar-se à função eminentemente de registro, para os contratos produzirem efeitos perante terceiros, consoante o disposto no artigo 211 da Lei da Propriedade Industrial2.
Ocorre que o INPI continuou formulando exigências que culminavam na necessidade de alteração das disposições contratuais livremente estabelecidas por particulares, sob pena de inviabilidade da avença, já que sem o registro pelo INPI, as partes ficariam impossibilitadas de remeter royalties ao exterior e deduzir os valores pagos como despesa operacional para fins fiscais.
Apesar do aparente abuso, poucas foram as empresas que procuraram o Poder Judiciário para rever as decisões do INPI. E a jurisprudência também não contribuiu. Por vezes um mesmo Tribunal ora admitia a intervenção do INPI, ora entendia ser descabida, a depender da composição da turma julgadora.
Era necessário, portanto, pacificar a jurisprudência. Foi o que aconteceu em 16/2/17, quando o STJ concluiu o julgamento do Recurso Especial 1.200.528/RJ, que discutia justamente ato do INPI que, ao emitir o certificado de averbação de um Contrato de Transferência de Tecnologia, o transformou de oneroso para gratuito, excluindo a cláusula que previa remessa de royalties pela empresa brasileira à sua controladora estrangeira.
Como razão de decidir, o STJ entendeu que, apesar da limitação de suas funções, o INPI tem "competência para levar a efeito intervenções no âmbito da atividade industrial internacional", devendo zelar pelas funções social, econômica, jurídica e técnica dos contratos submetidos à sua averbação, motivo pelo qual entendeu como cabível a intervenção promovida pela autarquia em cláusulas e condições contratuais livremente pactuadas por particulares.
Essa decisão, em última instância em matéria infraconstitucional, gerou um certo temor, na medida em que dá respaldo para as intervenções do INPI e poderia, inclusive, ensejar uma discricionariedade ainda maior.
Ocorre que, 2 semanas após a prolação do referido acórdão pelo STJ, o INPI publicou a IN 70/17, vigente desde o último dia 1/7/17, que "dispõe sobre o procedimento administrativo de averbação de licenças e cessões de direitos de propriedade industrial e de registro de contratos de transferência de tecnologia e de franquia".
Em nota publicada em seu site oficial, o INPI informou que a IN 70/17 "vai reduzir o escopo de análise sobre os contratos" e garantir "autonomia jurídica à vontade das partes", e que a ação da autarquia "será apenas o registro ou averbação dos contratos, o que significa que o Instituto deixará de avaliar a legislação fiscal/tributária e a de controle de capital estrangeiro no país".
Ou seja, desde 1º de julho, questões relativas aos limites para remessa e dedutibilidade de pagamentos, prazo contratual, dentre outras matérias de caráter eminentemente fiscal/cambial, não são mais analisadas pelo INPI, cujo certificado de averbação será emitido com a seguinte ressalva: "O INPI não examinou o contrato à luz da legislação fiscal, tributária e de remessa de capital para o exterior".
Vale lembrar que a legislação fiscal e cambial não foi alterada, de modo que as contratações continuam sujeitas aos limites da Portaria 436/58 do Ministério da Fazenda - que não tem mais razão de existir - aos prazos da lei 4131/62, e ao escrutínio do Banco Central e da Receita Federal nas matérias de suas respectivas competências.
O Banco Central editou, em 27/6/17, a Circular 3.837 passando a exigir que os contratantes apresentem informações como (I) os titulares da operação; (II) o número do certificado de averbação concedido pelo INPI; (III) o valor, prazo e condições de pagamento; e (IV) demais requisitos solicitados para obtenção do Registro de Operações Financeiras (ROF-RDE), tendo em vista que esses aspectos não serão mais examinados pelo INPI em caráter antecedente.
Ao INPI restou o papel de examinar os aspectos formais da contratação, a regularidade dos direitos de propriedade industrial envolvidos, as condições gerais e o objeto do contrato. No tocante a esses aspectos, a expectativa é de que o INPI passe a fazer apenas "recomendações", não vinculantes, abstendo-se de requerer a alteração de cláusulas e condições contratuais de ofício, tampouco negando a emissão do certificado de registro por tais razões.
O resultado prático advindo da publicação da IN 70/17 ainda é incerto. Se por um lado é bem-vinda a redução do papel interventor do INPI, acelerando o procedimento de registro e/ou averbação de contratos e respeitando a livre manifestação de vontade das partes contratantes, por outro, a falta de coordenação da matéria com outros entes públicos, em especial a Receita Federal, gera algumas incertezas.
Se antes, a emissão do certificado de averbação pelo INPI conferia segurança e conforto às empresas para os procedimentos de remessa internacional de valores e dedutibilidade fiscal, a partir de agora os contratantes ficarão sujeitos a uma análise caso a caso, de forma descentralizada e por agentes que podem não ter conhecimento sobre a matéria, regulada de forma esparsa ao longo dos anos.
De todo modo, estamos diante de um avanço. Em um momento em que o País necessita de maior investimento externo e de maior intercâmbio tecnológico, é alvissareira a redução da intervenção estatal nas relações privadas. Espera-se que seja uma alteração permanente e que não sofra um retrocesso em caso de alteração do cenário político.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI262556,101048-Novidades+na+intervencao+do+INPI+em+contratos+motivos+para+comemoracao
Escrito por Pinheiro Neto Advogados, Márcio Junqueira Leite e Victor Rawet Dotti