Cide-Royalties incide sobre direito autoral, decide Carf
Por uma diferença apertada de votos, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) definiu que a Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide) incide sobre as remessas ao exterior de royalties devidos por direitos autorais, e não apenas sobre a cessão ou licença de uso de marca de produtos ou serviços tecnológicos.
No caso analisado em junho, a Sky questionava a exigência do tributo sobre royalties pela transmissão de filmes, séries e eventos, contratados de empresa no exterior.
A defesa da empresa alegou que o artigo 10 do Decreto 4195/02 é taxativo e restringe a incidência da Cide para produtos tecnológicos e científicos, e não sobre a produção e reprodução de obra artística.
A decisão da última instância do Carf, tomada por cinco votos a três, acatou a tese da Fazenda Nacional, no sentido de que o rol do Decreto 4195/02 é exemplificativo. Pelo artigo 10, devem ser tributadas as remessas ao exterior de royalties e remuneraçōes referentes a contratos de fornecimento de tecnologia, prestação de assistência técnica, serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, cessão e licença de uso de marcas e de exploração de patentes.
“[A decisão] sepultou todas as matérias sobre esse tema”, afirma Fabrício Sarmanho de Albuquerque, procurador da Fazenda Nacional, para quem o acordão da Câmara Superior será um “divisor de águas” nas discussões sobre a exigência do tributo. “A matéria pode já ser sumulada”, diz.
A Cide tecnologia foi instituída pela Lei 10.168/2000 para estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro. Pela norma, deve pagar o tributo – com alíquota de 10% sobre as remessas – toda pessoa jurídica com negócios, serviços, ou troca de conhecimentos tecnológicos, com residentes ou domiciliados no exterior.
A controvérsia entre contribuintes e a Fazenda Nacional surgiu com a edição Decreto 4.195, em 2002. A lei dispõe que a contribuição é devida para os que remetem royalties a qualquer título. O decreto, por sua vez, prevê que a Cide incida sobre cessão e licença de uso de marca de produtos ou serviços tecnológicos.
A Câmara Superior do Carf entendeu que o decreto deve ser lido de forma exemplificativa e em conjunto com a lei. Portanto, tanto em matéria de direito autoral quanto de tecnologia, se houver remessa ao exterior, o tributo deve ser recolhido (Processo 16561.720112/2011-26).
Afinal, o que são os royalties?
Advogados ouvidos pelo JOTA discordam da decisão da Câmara Superior e defendem uma interpretação taxativa do decreto.
“A decisão é totalmente ilegal e inconstitucional por desconsiderar o decreto e dar uma interpretação da lei para prejudicar o contribuinte”, afirma Jayr Viégas Gavaldão Jr, tributarista e sócio da DGCGT Advogados.
Para o advogado, a lista do decreto é taxativa e não se pode interpretar que royalties por tecnologia se aplicam a direitos autorais. “A Fazenda adotou uma postura não tão honesta. Ela deve obediência condicional ao decreto, não é possível interpretar que haja qualquer hipótese do tributo na reprodução de obra artística”, conclui.
De acordo com o advogado Rafael Palma Bifano, sócio do PLKC Advogados, a interpretação dada na decisão aplica o genérico em um caso específico.
“Digamos que eu importe os direitos de exibir a Mary Poppins. Tenho muita dificuldade em visualizar como a ‘babá voadora’ seria uma transferência de tecnologia”, diz.
Advogados também criticam a superficialidade da lei. Além da estipulação genérica de “royalties a qualquer título”, a norma determina que é devida a contribuição para quem tenha por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes.
“É uma lei muito mal redigida e, por consequência, muito mal interpretada”, diz o sócio do Viseu Advogados, Carlos Navarro.
Matéria pacificada?
Não é enredo de tragédia grega, mas a discussão sobre o que são os royalties e qual posicionamento deve ser adotado na hora de tributar as remessas ao exterior ainda existe no Carf.
O tema segue controvertido nas câmaras baixas. Uma semana depois da decisão tomada pela Câmara Superior, o conselheiro da 1ª turma da 2ª câmara da 3ª seção, Leonardo Vinícius Toledo de Andrade, votou contra a aplicação da Cide-Tecnologia.
O caso teve pedido de vista da conselheira Tatiana Josefovicz Belisário, e se tratava da remessa realizada ao exterior pela ESPN do Brasil, a fim de transmitir eventos esportivos (Processo 19515.720170/2014-46).
“A Cide nasceu em razão da transferência de tecnologia. Como estamos aplicando isso em matérias que não dizem respeito à tecnologia, como direitos autorais?”, questiona Ana Paula Ros, advogada do escritório Martinelli.
Apesar da decisão da Câmara Superior, a discussão ainda pode desaguar no Judiciário. “Tanto existe dúvida entre a prevalência da lei sobre o decreto que a decisão foi por cinco votos a três. É uma questão controversa ainda”, pontua o advogado do escritório WFaria Advogados e especialista em direito tributário Leo Lopes.
Fonte: https://jota.info/tributario/cide-royalties-incide-sobre-direito-autoral-decide-carf-04072017