Da pirataria ao bilionário mercado brasileiro de videogames
RIO — Hoje o Brasil tem 66,3 milhões de jogadores de videogame, que movimentam R$ 4,1 bilhões, colocando o país, segundo a consultoria NewZoo, como 13º maior mercado do mundo, mas a realidade não foi sempre assim. Há poucos anos, o setor era dominado pela pirataria, que afastava as principais marcas do país e impedia o surgimento de produtoras nacionais. Caros, os consoles eram contrabandeados, e os jogos, vendidos pelo comércio informal das ruas das grandes cidades.
Marcelo Tavares, fundador da Brasil Game Show (BGS), maior feira de videogames da América Latina, lembra que em 2009, ano da primeira edição do evento, quase não haviam multinacionais entre os expositores. A décima edição, que acontece até domingo no Expo Center Norte, em São Paulo, tem a presença de praticamente todos os players do setor, incluindo a presença de personalidades, como Phil Spencer, chefe da divisão Xbox da Microsoft, e Nolan Bushnell, criador do Atari.
— O país não tinha um mercado oficial, os consoles não eram encontrados nas lojas. Os preços eram absurdos. Hoje, os videogames ainda não são baratos, mas os preços não são exorbitantes — comenta Tavares. — Outra coisa que mudou foi a atenção das empresas para o país. Agora, os jogos são dublados para o português.
Essa é a mesma percepção de Bertrand Chaverot, diretor da Ubisoft para a América Latina, que avalia que o mercado brasileiro, apesar da crise econômica, se tornou atraente para as multinacionais, tanto que a empresa sediada em Paris passou a investir em conteúdo localizado para o Brasil. Exemplo disso foi um cenário inspirado nas favelas do Rio de Janeiro para o jogo de tiro em primeira pessoa “Rainbow Six”. O “Just Dance” também inclui músicas de sucessos brasileiros.
— O Brasil é o nosso maior mercado para “Just Dance”. Geralmente, os brasileiros respondem por 3% a 6% do nosso mercado mundial, mas em “Just Dance” o percentual é de 10% — ilustra Chaverot.
Ele explica que o combate a pirataria aconteceu por uma mudança na indústria, que passou a oferecer os jogos como serviço. Hoje, a maioria dos títulos classificados como “AAA” oferece opções multijogador, e para participar é preciso se registrar em servidores mantidos pelas empresas, o que só é possível com uma cópia original. E os jogos também oferecem mais horas de diversão, praticamente pelo mesmo preço do que era cobrado no passado.
— A indústria não é mais de produtos, é de serviços. Produzir um jogo é caro, custa entre US$ 80 milhões e US$ 150 milhões, para criar mundos com aventuras que duram horas e horas — explica o executivo.
ESPAÇO PARA PRODUTORES NACIONAIS
Tavares destaca que a consolidação de um mercado formal de videogames no país permitiu o surgimento de inúmeras produtoras nacionais. Há quatro anos, foi criado na BGS um espaço para desenvolvedores independentes, com apenas sete expositores. No ano seguinte, eram 30 e, no terceiro, cem empresas. Nesta edição estão presentes mais de cem expositores.
A Kinship é exemplo desse novo fenômeno. Fundado em abril do ano passado, o estúdio ainda trabalha para o lançamento de “Skydome”, seu primeiro título. O jogo de competição será aberto para testes beta, e os produtores miram o mercado internacional, com versões em português e inglês. Mesmo sem ter um produto pronto, o negócio é mantido por investidores e possui 14 funcionários, numa estrutura completamente diferente dos desenvolvedores solitários do passado.
O setor se profissionalizou, mas isso não significa que seja fácil conseguir a atenção dos jogadores.
— Houve um amadurecimento da indústria brasileira. Nos últimos anos, o setor se organizou em associações, grupos de desenvolvimento, e isso puxou a qualidade do ensino — avalia Matheus Zanetti, coordenador de marketing da Kinship. — Mas os jogos entram numa loja de aplicativos onde centenas de títulos são lançados todos os dias. Não adianta só o jogo ser bom, mas ninguém saber que ele existe.
Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/da-pirataria-ao-bilionario-mercado-brasileiro-de-videogames-21941632 Escrito por Sérgio Matssura