A aprovação rápida de patentes beneficia a sociedade? - NÃO -
O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços estuda conceder sumariamente, sem análise de mérito, todos os pedidos de patentes feitos antes de 2014, salvo solicitação do requisitante para que o pedido seja analisado. A medida é chamada de “solução extraordinária”, já que supostamente nenhuma outra solução teria efetividade no atual cenário: são mais de 230 mil pedidos na espera para análise. Considerando o atual número de examinadores do Instituto Nacional da Propriedade Industrial [INPI] e que se mantenha o ritmo dos pedidos depositados, em 2029, a fila estaria em 250 mil pedidos à espera de análise. Se o número de examinadores fosse duplicado, o acúmulo de pedidos zeraria em oito anos, mas logo os novos profissionais se tornariam ociosos. A única proposta que o ministério conseguiu gestar é a aprovação sumária de todas as patentes.
>> A aprovação rápida de patentes beneficia a sociedade?
Sim: “A fila comprida de pedidos de patentes atrapalha o desenvolvimento do país”
A medida é absurda e traz mais problemas do que solução. Ela segue na contramão de qualquer política séria em propriedade intelectual porque desestimula a inovação nacional. No Brasil, são registradas cerca de 31 mil patentes a cada ano. Apenas 4.600, menos de 15%, referem-se a empresas ou desenvolvedores brasileiros. Quanto mais patentes concedidas para empresas estrangeiras, maior a tendência de aumento de preços, uma vez que a patente é essencialmente um instrumento de bloqueio da concorrência, permitindo controle do mercado por uma única empresa. Os próprios documentos da consulta pública apontam que 86% dos pedidos pendentes são estrangeiros.
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Outra preocupação é a possibilidade de patentes que buscam proteger a mesma tecnologia serem concedidas para solicitantes distintos. O próprio INPI vai gerar situação de violação de patentes, causando ainda mais controvérsias e instabilidade. O decreto prevê um prazo de 90 dias para entrada com pedido administrativo de nulidade ou posteriormente por via judicial. Entretanto, isso perverte a lógica do sistema de patentes, já que no lugar de quem solicita a patente ter de provar à sociedade porque um conhecimento deve ser retirado do domínio público, a sociedade terá de provar porque esse conhecimento não pode estar em domínio privado.
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Na área de saúde essa preocupação deveria ser ainda maior. As patentes, muitas vezes pedidas indevidamente, sem comprovação de inovação, tornam os medicamentos mais caros porque bloqueiam a possibilidade, às vezes, por mais de 20 anos, do lançamento de produtos genéricos. Por lei, os genéricos são 35% mais baratos. O ministério e o Inpi se anteciparam ao afirmarem que patentes farmacêuticas estão fora do sistema de avaliação expressa de patentes. Contudo, não há na consulta pública [nº 2/2017] detalhamento técnico suficiente que confirme a ressalva. Também não há garantias de que pedidos de patentes que solicitam monopólio para moléculas e processos químicos, vacinas, testes de diagnóstico, partes de seres vivos [cujo patenteamento é proibido no Brasil], sequências genéticas e nanotecnologias aplicadas na área da saúde não receberão o carimbo “aprovados”.
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Desde sua criação, em 2003, o esforço do GTPI foi no sentido de promover o entendimento de que o sistema de patentes não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, o sistema de patentes serve à sociedade brasileira e o ato de retirar uma tecnologia ou conhecimento do domínio público deveria ser a exceção, baseada em critérios aplicados de forma rígida. Ainda, em que pese a necessidade de promover maior eficiência na análise dos pedidos de patentes, ela deve vir necessariamente associada ao interesse social e a uma política pública de desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro.
Respondido por Pedro Villardi (Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI))
Fonte http://epoca.globo.com/economia/noticia/2017/08/sociedade-tera-de-provar-que-o-conhecimento-nao-pode-estar-em-dominio-privado.html